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Um mês após a invasão russa, Ucrânia ainda está online

Um mês após a invasão russa da Ucrânia, a internet do país ainda está em grande parte online graças ao seu diversificado ecossistema de telecomunicações e técnicos na linha de frente atuando, em meio à zona de guerra, para manter as conexões funcionando. “Definitivamente, houve muitas interrupções e danos à internet da Ucrânia, mas a maior parte do país está online e esse tem sido um aspecto importante do conflito”, disse Doug Madory, diretor de análise de internet da Kentik, em entrevista à Andrea Peterson, jornalista especializada e segurança cibernética do The Record.

O robusto ecossistema de telecomunicações, combinado com os esforços desses trabalhadores, ajudou muitos ucranianos a compartilhar a devastação que abala seu país com o mundo. “O bom é que quando escolhemos como cobrir o país com internet fixa, decidimos fazer em um modelo de livre mercado em que pequenos provedores pudessem competir entre si”, disse Mykhailo Fedorov, ministro ucraniano da Transformação Digital, à repórter Daryna Antoniuk, da Forbes Ucrânia.

O país possui mais de 5 mil provedores de internet, embora apenas 100 sejam particularmente ativos, de acordo com Fedorov. “Portanto, não haverá situação em que os inimigos se apoderem de um provedor, cortando todo o país da internet. A descentralização nos salva”, disse ele.

Apesar de alguns temores iniciais sobre a capacidade da Ucrânia de se manter online, o país conseguiu permanecer conectado ao mesmo tempo em que parece combater ciberataques relacionados à guerra.

Os padrões de tráfego global no mês passado mostraram interrupções localizadas limitadas, mesmo quando as bombas russas “choviam” sobre o país — e os técnicos continuaram trabalhando para reparar as redes interrompidas.

Segundo as jornalistas, alguns ataques cibernéticos a essa infraestrutura também foram relatados, inclusive pelo provedor de banda larga local Triolan e a operadora de satélite Viasat, ao mesmo tempo em que a SpaceX, companhia aeroespacial americana do bilionário Elon Musk, expandia a cobertura do satélite Starlink para atender a Ucrânia.

Até o momento, os esforços para manter a Ucrânia online vem funcionando, permitindo que o mundo tome conhecimento dos horríveis dos ataques a alvos civis e que o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy faça seus pronunciamentos por vídeo e traga relatos sobre os ataques ao país, bem como use a rede para combater as deepfakes sobre a guerra. “Estou orgulhoso do nosso setor de telecomunicações — é uma frente separada, as pessoas estão morrendo lá, mas estão trabalhando para manter a Ucrânia conectada”, disse Fedorov à repórter da Forbes.

Heróis invisíveis

Técnicos na linha de frente estão entrando em prédios recentemente bombardeados para reparar ou atualizar a infraestrutura digital para manter o país online. O Serviço Estatal de Comunicações Especiais e Proteção de Informações da Ucrânia os descreveu como “heróis invisíveis” do conflito. “Essa merda é heróica”, concordou Riana Pfefferkorn, pesquisadora do Stanford Internet Observatory. “As imagens que você vê de pessoas em zonas devastadas pela guerra e bombardeadas, tentando colocar a internet de volta online são simplesmente incríveis”, acrescentou ela.

Milhares de trabalhadores da empresa de telecomunicações local Veon estão vivendo em abrigos antiaéreos enquanto o conflito se desenrola, disse o CEO da empresa à Reuters, no momento em que ajudava a transportar equipamentos para áreas de fronteira para apoiar refugiados.

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As autoridades de Kiev começaram a instalar Wi-Fi em abrigos antiaéreos em 12 de março, e desde então a banda larga fixa se tornou uma característica de muitos abrigos — ajudando aqueles que se escondem de bombardeios a permanecerem conectados. Centenas de abrigos foram conectados por grandes provedores locais, incluindo Kyivstar, Volia e Tenet, informou a Developing Telecoms.

Apenas três operadoras controlam o mercado de telefonia celular na Ucrânia: a Kyivstar, com mais de 26 milhões de usuários ativos; a Vodafone Ucrânia, com 20 milhões; e a Lifecell, com cerca de 8 milhões de usuários. Embora sejam grandes rivais em tempos de paz, as empresas se uniram em meio à guerra para manter os ucranianos conectados com um programa de “roaming nacional” que significa que os assinantes podem mudar rapidamente para a rede de outras operadoras se seu provedor principal cair.

Mas as redes locais também enfrentaram ataques na frente digital. Triolan, uma grande provedora de serviços de internet ucraniana, foi hackeada duas vezes — em 24 de fevereiro e 9 de março. Alguns dos computadores da Triolan pararam de funcionar porque os invasores redefiniram os dispositivos para as configurações de fábrica. A restauração dos sistemas foi difícil porque em alguns casos os técnicos precisavam de acesso físico aos servidores, o que não foi possível devido às hostilidades em Kharkiv.

A Triolan disse que “nós-chave da rede” foram invadidos em 24 de fevereiro e que alguns roteadores não puderam ser recuperados. A empresa está sediada em Kharkiv, que foi severamente bombardeada pelos russos.

O provedor de serviços de internet ucraniano e a companhia telefônica monopolista Ukrtelekom sofreram um ataque distribuído de negação de serviço (DDoS) em 22 de março. A empresa conseguiu repelir o ataque rapidamente e as operações não foram significativamente interrompidas.

Outro pequeno provedor, a Vinasterisk, foi alvo de hackers e sofreu um tempo de inatividade significativo no início deste mês, de acordo com a empresa de monitoramento de internet NetBlocks.

Olhando para as estrelas

Os provedores de serviços de internet via satélite também desempenharam um papel central no conflito na Ucrânia. Em 24 de fevereiro, um ataque cibernético contra a operadora de satélite Viasat desativou os modems de muitos clientes europeus, incluindo unidades militares e policiais ucranianas. 

O Starlink de Elon Musk também fez incursões significativas na Ucrânia durante o conflito. “Uma de nossas prioridades antes da invasão era uma conexão estável com a internet, então recorremos a Elon Musk para o Starlink”, disse Fedorov recentemente à Forbes, acrescentando que eles tiveram uma reunião com a empresa para fornecer licenças para obter a operação do serviço no dia anterior à invasão. “Além dos terminais, recebemos painéis solares de Elon Musk para carregar o Starlink, além de equipamentos que ajudam os satélites a trabalhar com diferentes redes”, acrescentou.

No entanto, o uso do serviço de internet via satélite em uma zona de conflito pode apresentar seu próprio conjunto de riscos. “Mesmo alguns momentos de uso são suficientes para que os sistemas de inteligência eletrônica russos triangulem uma estação terrestre para um ataque aéreo”, disse Josh Lospinoso, CEO da empresa de segurança cibernética Shift5 e ex-oficial do Comando Cibernético do Exército dos EUA, à Vox.

Musk confirmou que os sinais do Starlink podem ser rastreados pelos russos e tuitou que os ucranianos deveriam usá-los “com cautela”. “Não existem tais avisos das autoridades de segurança ucranianas relevantes”, disse Fedorov à Forbes, acrescentando que há muitos terminais no país para que eles sejam alvos razoáveis.

Uma revisão dos dados fornecidos pela Kentik refletiu aparentes interrupções regionais ou interrupções no acesso online em grande parte em áreas que enfrentaram intenso bombardeio durante as primeiras semanas da invasão. Mas mesmo que o acesso online pareça bastante robusto para muitos ucranianos, algumas áreas tiveram interrupções prolongadas, incluindo a cidade de Mariupol, que está sem acesso à internet há semanas.

Mariupol, uma cidade portuária industrial no leste do país, está sob o cerco das forças russas há três semanas e a cidade continua sendo bombardeada. Em 17 de março, bombas russas arrasaram o Teatro Dramático de Mariupol, onde centenas de pessoas estavam abrigadas. A palavra “crianças” escrita nos dois lados do teatro não impediu que as forças russas o destruíssem. A cidade parece estar offline desde 2 de março, de acordo com Madory, da Kentik.

As interrupções também continuaram nos locais de combate nos últimos dias, incluindo uma interrupção de cinco horas em Zhytomyr, a oeste de Kiev. As redes ainda parecem estáveis, por enquanto, mas não há garantia de que não haverá mais esforços para minar as comunicações online à medida que a invasão continuar, de acordo com Madory. “Tudo sempre pode mudar hoje ou amanhã”, disse.