Na maioria de nós, o digital parece ter estimulado o aparecimento de uma coleção de percepções distorcidas da realidade. A primeira que me lembro é a de que todo mundo está online. Não é verdade.
Outra, de que tudo está online, e ao nosso alcance. Também não é verdade. Uma terceira, de que se alguma coisa ou alguém está online, então é de acesso imediato. Nem sempre é. Uma, ainda, é a percepção de que tudo o que conhecemos online sempre estará ali. É um engano. Essas percepções não surgiram do dia para a noite: elas estão sendo construídas ao longo das nossas vidas e ajudando a orientar o modo como vivemos e nos comportamos.
O digital nos trouxe facilidades sedutoras: pagar as contas no smartphone sentados na sala de estar, ao invés de ir ao banco. Marcar a revisão do carro pelo aplicativo da fábrica. Ouvir a música desejada no momento que se quiser. Comprar um par de sapatos sem ir à loja. A maioria dessas facilidades se obtém com pouco esforço e praticamente nenhuma despesa: basta acessar uma página na web ou baixar um app, como designado no mundo móvel, e digitar os dados necessários ao acesso. Sendo assim, quantas vezes você já digitou seu nome completo, o endereço da sua casa, o seu telefone, a data do seu nascimento, o nome do seu pai, da sua mãe, dos seus filhos, a placa do seu carro, o número do seu RG, do CPF, do cartão de crédito, o nome do banco, da agência e da conta, os bens da sua família, os números de recibos do imposto de renda?
A pergunta seguinte, que não pode calar, é: se alguém parar você na rua e pedir esses dados você fornece? A resposta óbvia é não: você só forneceu dados porque teve interesse nas facilidades que a opção digital oferecia. Caso contrário, não teria feito isso. Não entregaria os dados aassim por um milhão de razões, mas principalmente por desconhecer quem está pedindo, por não ter confiança naquele que pede, por não saber o que será feito com os seus dados.
Agora, vamos aos fatos: os bancos nos quais você tem ou teve uma conta pedidam os seus dados. Eles mantiveram esses dados em sigilo ou venderam seu cadastro aos birôs de rating de crédito? Você autorizaria? Certamente não. E quando você compra um tênis pela Internet, para onde vai o número do seu cartão de crédito? Quem guarda? Quem garante que está guardado em segurança? Quem pode afirmar que já não roubaram o número do seu cartão em algum desses lugares? Não conheço respostas firmes, positivas, seguras para essas perguntas.
A brecha da Equifax (anunciada dia 7/9/2017), expondo os dados de crédito de metade da população americana, é mais uma prova (e de forma alguma será a última) de que são enormes os riscos de assumir a guarda de informações sensíveis como as nossas. Informações que ela só fornece sob pagamento e que agora está empenhada em proteger melhor contratando “uma empresa independente de cibersegurança para conduzir uma avaliação e fornecer recomendações sobre ospassos que podem ser dados para ajudar a prevenir este tipo de incidente de acontecer novamente”, conforme diz seu comunicado em www.equifaxsecurity2017.com. Isso não deveria ter acontecido bem antes? A empresa não falhou exatamente naquilo que é o seu core business? Se fosse um restaurante, era como ter servido comida estragada. Se fosse uma oficina mecânica, como liberar um carro sem completar o conserto. Só que a Equifax é um dos três grandes birôs de crédito americanos, num mercado de 18 trilhões de dólares. Alguém pode argumentar que a Arthur Andersen também era uma das cinco grandes de auditoria e fechou no escândalo da Enron. Então, vamos esperar para ver. Mas a falha de competência está provada.
Fica para todos o alerta de sempre: a segurança, na verdade, é apenas uma sensação.
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