Um bug descoberto em aviões Bombardier CRJ-200, equipados com sistema de gerenciamento de voo (Flight Management System – FMS) fabricado pela Rockwell Collins Aerospace, levou algumas vezes aeronaves da fabricante a seguirem uma trajetória errada durante o procedimento de aproximação perdida, curvando para direita, ao invés de para esquerda — e vice-versa.
Aproximações perdidas — mais conhecidas como arremetidas — são usadas quando o piloto detecta que o pouso não pode ser concluído de forma segura ou quando não tem referência visual da pista para executá-lo. Trata-se de um procedimento de trajetória preestabelecida, publicado em cartas aeronáuticas, e que ocorre com frequência no dia a dia, não interferindo na segurança do voo quando executado de forma correta.
Descoberta pela primeira vez em 2017, a falha só ficava aparente quando os pilotos inseriam ou alteravam manualmente uma altitude predefinida no database da arremetida de um procedimento de pouso por instrumentos. Tal falha também se mostrou presente quando os pilotos inseriam dados de ajuste de temperatura no FMS.
Em tese, o bug poderia levar o avião a colidir com o solo, embora a presença de dois pilotos treinados e alertas na cabine, monitorando o que a aeronave está fazendo, torne essa possibilidade bastante remota.
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O bug foi descoberto quando a tripulação do CRJ-200 que voava para o aeroporto de Fort St John, no Canadá, usou a função de correção de temperatura do FMS. Eles descobriram que o software posicionou o avião na direção errada durante um procedimento de arremetida, algo que geralmente não acontece. A falha foi relatada às autoridades e aos fabricantes da aeronave e dos sistemas de bordo.
Conforme explica um piloto da aviação comercial ao site The Register, a correção de temperatura é uma função dos FMS modernos que ajuda a manter a aeronave uma altura segura enquanto realiza um procedimento de aproximação por instrumentos — sejam os tripulantes controlando a aeronave ou o piloto automático.
As rotas de aproximação para pouso são definidas a partir de um determinado conjunto de condições atmosféricas, incluindo uma temperatura padrão. Quando essa temperatura cai abaixo de certo limite, os pilotos devem aplicar uma correção no altímetro para a aeronave permanecer a uma altura segura do solo. Temperaturas mais baixas, para uma dada pressão atmosférica, geram um erro progressivamente maior na leitura do altímetro.
Em uma apresentação de Powerpoint no site da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA), a Rockwell Collins explica que “um erro de projeto no software Pro Line 4 do FMS causa alterações na trajetória da arremetida, caso os dados preexistentes no database da aeronave tenham passado uma alteração significativa pela tripulação. A trajetória incorreta depende também da forma como a carta publicada é desenhada.
Um documento publicado pela Rockwell Collins no final de 2017 afirma: “Esse problema ocorrerá em procedimentos [sejam de decolagem ou aproximação] nos quais o raio de curva publicado na carta for menor do que o raio de curva mínimo que a aeronave necessita efetivamente para executar tal trajetória”.
Diretriz questionada
Embora mitigações e soluções alternativas para o bug tenham sido publicadas com relativa rapidez, Bombardier e Rockwell Collins discordaram das recomendações impostas pela FAA — uma diretriz de aeronavegabilidade obrigatória, a qual ordena que os pilotos de aeronaves CRJ-200 desabilitem a compensação automática de temperatura, foi publicada na Europa nesta semana e entra em vigor em meados deste mês.
As duas empresas discordaram da diretriz da FAA, argumentando que seria mais fácil realizar uma correção de software do que banir o uso do cálculo automático da aeronave.
A verdade é que erros no software de controle de voo são raros, embora não desconhecidos. Um projeto anterior da Bombardier, o Airbus A220 (antigo Bombardier C) apresentou problemas de motor induzidos por seu software no passado. Além disso, foi descoberto um bug raro no sistema do Boeing 737 que apagava completamente suas telas de controle se os pilotos tentassem aterrissar em uma de sete pistas específicas no mundo, diz um relatório, sem especificar que pista é essa.
Por fim, outro problema desse tipo conhecido é o do Boeing 737 Max, que deve continuar sem voar até pelo menos agosto, uma vez que a fabricante norte-americana segue tendo dificuldades com o software da aeronave. Os voos do modelo Max foram proibidos a partir de março de 2019, depois que dois acidentes com aviões deste tipo deixaram 346 mortos. *Com informações do The Register.